segunda-feira, 9 de março de 2009

Semiótica da Mendicância

Mendigos são chatos por natureza. E irritantes. O simples fato de pedirem de dinheiro e, às vezes, de maneira intimidante - alguns chegam a apelar para a agressividade - fazem com que eles se tornem verdadeiras pragas nas grandes cidades. E algumas pessoas parecem ter o dom de atrair esse tipo de gente, como eu. E é por isso que considero-os meus inimigos naturais e volta-e-meia brigo com algum. Como hoje.

Perdi a conta de quantas vezes já fui abordado por mendigos só neste ano. E sempre com uma história diferente. Alguns são mais benevolentes e me poupam de ouvir uma história fictícia do porquê eles estão ali mendigando. Simplesmente assumem o fato de serem vagabundos e que querem umas moedas pra beber ou fumar crack.

E aqui abro um parênteses. Se todos os mendigos fossem assim, de querer moedas pra comprar crack, eu daria sem reclamar, afinal dentro de umas duas semanas morreriam e seria um chato a menos pra me pedir dinheiro. Em um ano não teríamos mendigos e todos seríamos felizes, afinal todo mundo quer um mundo sem pobreza, certo?

Voltando ao assunto. O problema é que nem todos os pedintes assumem essa premissa de que realmente são vagabundos. Sempre há uma historinha pra mostrar que ele está ali pedindo porque não resta opção ou é só daquela vez, mesmo que você o encontre todo o dia, ele virá sempre com a mesma história. Era assim com um mendigo que morou por algumas semanas na minha rua. Segundo ele, o dono do restaurante preferia jogar comida fora do que lhe dar um pouco daquilo que iria pro lixo. Então pedia dinheiro pra ir comprar dignamente. Mesmo com o restaurante fechado.

Como existem diversos métodos que os mendigos usam para abordar alguém na hora da mendicância e eu sempre sou vítima de pedintes, acabei aprendendo a linguagem das ruas e passei compreender cada símbolo presente na hora de pedir esmola. É a Semiótica da Mendicância. Usarei minha última briga com um cara que veio me pedir dinheiro para explicar ponto a ponto do método.

Estava saindo da faculdade com a minha namorada, uma amiga nossa e eu, quando um mendigo nos aborda pedindo umas moedas. Todo mundo estava com pouco dinheiro e sem nenhuma vontade de dar dinheiro pros outros.

Antes de continuar a história, um pequeno flashback. No final de Dezembro minha sogra veio para Curitiba com os dois irmãozinhos da minha namorada, de 8 e 4 anos. Certo dia, enquanto passeávamos pelo centro da cidade, decidimos comprar um algodão doce pro mais novo quando fomos abordados por um mendigo, que pediu umas moedas e, ao dizermos que não tínhamos nada, começou a dizer que Deus estava vendo aquilo e que Ele um dia iria cobrar por isso.

Pois então, o mendigo apocalíptico daquela vez era o mesmo de hoje, e ele é o pior tipo de pedinte, o que intimida. Quando falamos que não tínhamos nada e continuamos a andar, ele passou a nos acompanhar e a falar mais alto, quase gritando. "Não me trata mal, não! To aqui pedindo ajuda!!!". Não são todos os pedintes que fazem isso, mas alguns apelam para a intimidação. Falar alto serve para colocar um pouco de medo na vítima. Fazer pensar que talvez ele esteja alterado e pode atacar. Ninguém tratou mal o cara, apenas dissemos que não tínhamos nada e continuamos a andar, mas ele tinha de continuar com aquilo.

Como ele começou a nos acompanhar, paramos. Nosso maior erro. Ele começou a contar sua história. Tinha acabado de sair da cadeia, segurava uns papéis que simulavam documentos, e queria que ajudássemos. Eis aí outro ponto: o histórico ameaçador. Se ele já esteve preso, quer dizer que pode ser perigoso. Você sente-se mais acuado e começa a temer tentando adivinhar o motivo da prisão. Assalto? Assassinato? Sequestro? Enfim, ele continua a contar e diz que um professor da faculdade, que trabalhava no 17º andar, era padrinho dele. Usando isto, ele tenta te passar uma imagem de confiança. Apesar de ele ter sido preso e poder ser perigoso, há alguém importante que confia nele. Mas é aí que geralmente está a falha da história, ou seja, é nessa parte da novela que eles soltam alguma informação equivocada. Neste caso, o andar. Segundo ele, o tal professor trabalharia no 17º andar de um prédio de apenas 11. Atentando isso, vê-se que a história é totalmente irreal e qualquer artifício sentimental utilizado anteriormente se desfaz e você não se sente culpado.

Novamente negamos as moedas e voltamos a caminhar. Ele se irrita, tentando intimidar novamente e então passa para as ameaças. "Vou começar a roubar também nessa porra!". Essa é praticamente a última tentativa. Com uma ameaça ele te faz ficar com mais medo e você acaba dando até mais do que poucas moedas para acalmá-lo. E assim você vai embora ouvindo xingamentos de um mendigo.

Mas você NUNCA deve iniciar um bate-boca com ele. Nunca, principalmente à noite e em locais sem muito movimento. Não deve ser como eu, que de mau humor, decidi argumentar com um "E por que você não vai pedir ajuda lá pro teu padrinho, então?" e tive de ouvir toda a fúria daquele vadio. "Ele tá na Alemanha, trabalhando, playboy filho da puta!", berrou. Novamente uma contradição. O tal professor não tava no 17º andar? Ele continuou a berrar e minha namorada começou a apertar minha mão, desesperada. Passei a ignorar o mendigo e suas ameaças de "Vou te dar uma facada, seu vacilão!" para não pôr em riscos as duas, apesar de ele não ter uma faca ou qualquer outra arma, afinal, se ele tivesse, me roubaria e não ficaria ali batendo boca com o ar.

Um comentário:

Lu Belin disse...

É lógico que eu estava desesperada. Já é normal ficar meio com medo em situações assim, mas com o salário de um mês inteiro de estágio dentro da bolsa tinha mais é que ficar desesperada mesmo. Mas foi tenso, foi bem tenso. Esses sacanas sabem deixar a gente meio com o pé atrás.