sábado, 23 de maio de 2009

História sem nome

Ele estava sentado na primeira poltrona do ônibus. Se ajeitava enquanto esperava o veículo partir. 
Ela corria em direção ao seu portão de embarque, atrasada. Tinha trabalhado até depois de seu horário e agora corria o risco de perder o ônibus. Ia visitar a irmã que estava para casar.
Ele olhava impaciente para o relógio e para o motorista que conversava na porta do ônibus. Odiava atrasos, então decidiu por olhar as pessoas na rodoviária para deixar o tempo passar.
Ela chegou sem ar e agradeceu a Deus por não deixar o ônibus ter saído. Procurou a passagem nos bolsos da calça, mas não os encontrou. Se desesperou.
Ele viu a moça chegar correndo e ficou de mau-humor. O atraso na saída do ônibus foi por causa dela. Se torceu na poltrona para ver seu rosto e não conseguiu.
Ela revirou a bolsa em seu braço e encontrou o ticket. Entregou-o ao motorista sorridente e entrou no veículo. Parou no meio das escadas para conferir qual era sua poltrona.
Ele se ajeitou em seu lugar e torceu para que o motorista decidisse enfim trabalhar. Foi então que a viu subir pelas escadas e parar, para conferir algo. Durou alguns segundos, mas o tempo parecia ter parado naquele instante.
Ela olhou pra trás e viu o motorista esperando-a entrar de vez. Sentiu-se envergonhada quando ele mostrou a placa de "Não pare nos degraus" e foi o mais rápido que pôde para o seu lugar, quase no fundo do ônibus sem perceber no homem que virava a cabeça para observá-la enquanto passava.
Ele continuou admirando-a. Acompanhou-a com os olhos quando passou ao seu lado e soltou um suspiro desanimado quando viu que ela não iria sentar ao seu lado.
Ela batia nas pessoas com sua mala à medida que avançava até sua poltrona. Depois de muitos olhares tortos, chegou. Sorriu ao ver que iria sentar na janela e que não teria ninguém ao seu lado. Poderia deitar e dormir até o fim da viagem.
Ele respirou fundo e tomou coragem. Apesar dos 1,60m, era corajoso. E cara de pau. Levantou-se e foi em direção ao fundo do ônibus, olhando as poltronas para descobrir onde ela estava sentada.
Ela tinha acabado de colocar suas bolsas no bagageiro e se ajeitava na poltrona, já com o fôlego recuperado. Viu alguém se aproximar e fez uma nota mental de nunca mais sentar perto do banheiro de novo.
Ele a encontrou quase na última poltrona. Respirou fundo novamente e sorriu ao ver que não tinha ninguém ao seu lado. Se aproximou e fingiu ser o dono da poltrona vazia.
Ela viu o homem sentar-se ao seu lado e pensou um "Ai, merda". Retribuiu o sorriso do estranho com outro, falso, e virou-se para a janela. O ônibus se movia lentamente em direção à saída da rodoviária.
Ele virou-se pra ela e tentou puxar assunto. "Antonina ou Morretes?".
Ela, sem desviar o olhar da janela, respondeu um "Antonina" seco.
Ele insistiu. "Mora lá?".
Ela não mudou o tom. "Não. Minha irmã vai casar".
Ele decidiu arriscar. "Que bom. Você e seu namorado vão ser os padrinhos, suponho".
Ela se irritou ao lembrar do assunto namorado. Tinha terminado com um rapaz três anos mais novo que ela. Namoravam há 2 anos e ele decidiu lhe trair com uma menina de 18. "Não. Terminei meu namoro há um mês, então minha irmã decidiu me poupar".
Ele não se aguentou e abriu um sorriso de orelha a orelha.
Ela queria que ele calasse a boca.
Ele ousou mais. "Você é muito bonita, sabia?"
Ela perdeu a paciência e se virou para o homem.
Ele a olhava, sorrindo.
Ela o encarava, irritada.
Ele ignorou a carranca da moça e se apresentou. "Durval".
Ela desistiu de dormir e se entregou à conversa. "Zenira".
Ele tinha 65 anos.
Ela 28.
Ele falava sobre sua vida de aposentado, que estava voltando para a sua cidade natal depois de anos trabalhando no Porto de Santos. Tinha muitas histórias, do tempo que foi lutar na guerra até quando se fingiu de louco para não trabalhar mais.
Ela se interessava mais e mais pelo que aquele homem falava.
Ele falava e ria alto.
Ela achava graça naquilo tudo.
Ele calou-se e ficou apenas olhando a moça.
Ela ficou vermelha.
Ele sorriu novamente. "Gostei de te conhecer".
Ela retribuiu o sorriso. Desta vez com sinceridade. "Eu também". 
Ele sorria como uma criança.
Ela esperava um beijo.
Ele não a beijou.
Ela se assustou ao ver que já estavam chegando e pediu licença porque iria descer já no próximo ponto.
Ele perguntou aonde ela ia ficar.
Ela respondeu onde a irmã morava e puxou a cordinha para dizer que queria descer.
Ele queria falar mais coisas, mas só conseguiu soltar um "Eu vou te procurar".
Ela riu e se despediu mandando um beijinho à distancia e correu até a saída do ônibus, batendo nas pessoas com a mala de novo.
Ele tinha se apaixonado por alguém que acabara de conhecer. Quando o ônibus parou de vez, desceu e foi até um hotel. Deitou-se na cama e ficou olhando o teto, sorrindo.
Ela chegou na casa da irmã, abraçou-a, deu os parabéns, disse que estava linda e contou a loucura que fora aquela viagem. "Um velho veio me cantando de Curitiba até aqui". A irmã riu e quis saber mais. Ela contou, ocultando o fato de que também tinha gostado dele, mas não podia esconder por muito tempo. "E você, gostou dele?", perguntou a irmã. Ela respondeu com um não sei. Apesar de ter gostado dele, a diferença de idade era absurda. Ele era mais velho que seus pais. Usou o ex como desculpa. "Um pouco. Não quero mais alguém novo que me deixe na merda no futuro ou que me largue depois. Quero um velho aposentado pra sustentar a mim e a meus filhos". Elas riram daquilo.
Ele tomou um banho, se ajeitou e decidiu ir atrás dela. Foi até o bairro que ela indicou e perguntava para as pessoas na rua onde a noiva morava. Depois de perguntar para três pessoas, encontrou. Parou na frente do portão e bateu palmas.
Ela ouviu o barulho de palmas no portão. A irmã mexia no armário e pediu para que ela visse quem era. Ela afastou as cortinas e olhou para o homem no portão.
Ele não percebeu a movimentação.
Ela se desesperou. "Meu Deus, é ele!" A irmã espiou pelo vão da cortina e riu. Discutiram o que deveria ser feito.
Ele aguardava ansioso. 
Ela se decidiu e saiu para atendê-lo.
Ele sorriu ao vê-la sair pela porta e vir em sua direção.
Ela se aproximou e beijou-o no rosto. "Pensei que estivesse brincando quando disse que ia me procurar".
Ele respondeu que não brincava com esse tipo de coisa e lhe entregou uma caixinha com um anel dourado dentro.
Ela ficou vermelha e disse que não poderia aceitar aquilo.
Ele foi direto. "Quero me casar com você".
Ela ficou sem ar. Sabia que ele era velho, mas ele não ia morrer amanhã para estar desesperado assim. Devia ser outra brincadeira dele. Não podia confiar em alguém que arremessava um latão de cima de um prédio para ser aposentado como louco.
Ele pediu uma resposta.
Ela não sabia o que dizer. Apesar de ter gostado dele, não o amava a ponto de aceitar esse pedido.
Ele esperou que ela dissesse algo.
Ela pensou naquilo que havia dito para a irmã, de querer alguém que lhe desse estabilidade. Alguém que lhe desse uma vida tranquila. "Você realmente me ama assim?"
Ele respondeu com outra pergunta. "Se não amasse, teria revirado a cidade atrás de você e teria te pedido em casamento como estou fazendo?"
Ela sentiu um frio na barriga. Pensou em simular um desmaio, mas achou aquilo um exagero. Decidiu ouvir sua razão. "Vamos dar um tempo. Nos conhecemos hoje. Aceitar esse pedido assim é loucura".
Ele não desanimou. Apesar de não ter saído como queria, já era algo. Convidou-a para sair.
Ela aceitou.
Ele esperou por mais um mês e refez o pedido.
Ela gostava dele, mas não o amava o suficiente para se casar. Mas a ideia de se casar com alguém que pudesse dar uma boa vida aos seus filhos ainda ecoava em sua cabeça. Decidiu aceitar.
Ele arrumou tudo para que as coisas ficassem prontas o mais rápido possível. Perguntou onde ela queria morar e ela respondeu que ali mesmo. Rodou a cidade e encontrou uma casa à venda. Comprou-a e chamou a moça para morar com ele.
Ela foi.
Ele era seu marido a partir de então.
Ela sua esposa.
Ele fez exatamente aquilo que ela imaginava. Nunca deixou nada faltar em casa e sempre lhe dava o melhor de tudo.
Ela não o amava de verdade, mas achava que logo esse sentimento nasceria e que seria feliz. Alguns anos se passaram e ela teve dois filhos com ele. Já o amor nunca nasceu.
Ele esqueceu como era amar.
Ela se acostumou com aquela vida.
Ele era feliz.
Ela também.
Eles não precisavam mais daquilo que chamam de amor. As pessoas criticavam o relacionamento deles, mas, apesar dos problemas, sempre viveram bem. Eles desenvolveram um sentimento só deles, um misto de carinho e respeito.
Eles aprenderam a se amar à sua maneira.

Um comentário:

Mi Serafini disse...

excelente filosofia..